“O que ele quis dizer foi simplesmente que é exclusivamente do homem
poder viver numa pólis e que a pólis organizada é a forma mais elevada de
vida em comum humana, algo especificamente humano e, portanto, equidistante
dos deuses, que podem existir em e de si mesmos em total liberdade e
independência, e dos animais, cuja vida em comum, se é que existe algo assim,
é uma questão de necessidade”.
(ARENDT, H. A promessa da
política. Rio de Janeiro: Editora Difel, 2008, p. 170.)
|
Hannah Arendt (1906-1975) faz referência a Aristóteles no texto acima e critica
as interpretações correntes deste pensador, sobretudo, a realizada pelo
cristianismo. A crítica de Arendt em relação às interpretações correntes do
pensamento político de Aristóteles procura resgatar o sentido originário
proposto pelo filósofo estagirita da palavra politikon. Para ela, politikon expressa a idéia da
pluralidade e da liberdade humana que se manifesta na vida da polis. Para os
gregos a realização da política era a mais nobre das ações humanas uma vez que se
buscava a concretização da sua finalidade, a saber: o bem comum e a justiça. Ou
seja, é no exercício da própria liberdade na pluralidade dos cidadãos em
interação entre iguais e diferentes que a finalidade da polis se realizaria. Parece
que podemos encontrar a partir das interpretações cristãs do pensamento
aristotélico feita, sobretudo, por São Tomás de Aquino, a idéia segundo a qual
o “homem é um ser político” por essência, idéia que a autora rebate, pois o ser
humano é apolítico.
Ao fundamentar sua critica na
análise da imagem da Sagrada Família e da idéia monoteísta de Deus, Arendt
aponta o caminho para a sua superação. Para Arendt ao transformar o que é estranho e
diferente em familiar abolindo as
diferenças, acaba-se abolindo o próprio espaço político, que é constituído da
pluralidade. A imagem da sagrada família, ao estabelecer relações de parentesco
entre os indivíduos acaba anulando o que é essencial em cada indivíduo que é a
sua liberdade e singularidade. Por outro
lado o conceito monoteísta de Deus criou a idéia de humanidade. “O homem criado
à imagem e semelhança da solidão de Deus, está na base do “estado de natureza
de Hobbes” como “uma guerra de todos contra todos.”
A atualidade do pensamento de
Arendt nos ajuda a refletir sobre os
problemas e os desafios urbanos que vão desde o consumo de drogas e a população
de rua que demanda por direitos até aos problemas da precariedade dos
transportes e o drama das enchentes, além de outros. O contexto totalitário no
qual Arendt atuou talvez possibilitasse repensar as dificuldades das sociedades
em saber conviver com as diferenças procurando eliminá-las, seja por práticas
eugenistas ou por políticas públicas higienistas como ocorrida recentemente ao
retirar os dependentes de crack das regiões centrais da capital paulista.
Ao fazer a crítica destas
políticas públicas baseadas nas idéias de Arendt, nossos alunos terão
oportunidade de ampliar e fortalecer sua concepção política e capacidade de
julgar com critérios, uma vez que o grande desafio da política atual é aprender
a conviver com as diferenças construindo uma sociedade livre de preconceitos,
democrática e plural.
Nenhum comentário:
Postar um comentário